quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Os prazeres do "Fiel amigo"

Reza a lenda que, nos finais do SéculoXIX, perante a algazarra que vinha de uma mesa ao lado da sua, um membro de um grupo de intelectuais que tentava deliciar-se com um prato de bacalhau terá gritado: "Calem-se, por favor: Estamos aqui perante um acto de cultura".
Denominado de "Fiel Amigo", talvez nenhum outro alimento esteja tão enraizado nas tradições culinárias Portuguesas quanto o bacalhau.
Diz-se hoje que são mil e uma as maneiras de cozinhar este peixe, pelo que se tornaria possível comer bacalhau de forma diferente nos 365dias do ano.
Curioso no entantó, é notar que no primeiro livro de receitas português, escrito por Domingos Rodrigues, cozinheiro da Casa Real de D. PedroII, não se encontra qualquer referência ao bacalhau. Este facto poderá ser explicado se tivermos em conta que, à data, o bacalhau, um peixe seco e salgado, não integrava as refeições das classes elitistas e constituía um recurso sobretudo para os mais pobres. Sendo um peixe com uma grande percentagem de partes comestíveis - dele se paroveitavam , além dos lombos, as caras, as tripas, as bochechas e as ovas -,proporcionava aos membros das classes mais baixas uma grande diversidade de pratos.


Apesar de ser um dos mais típicos alimentos da ementa nacional, os portugues só descobriram as delícias do bacalhau no Século XV, durante o período dos Descobrimentos. Terão sido os Vikings os primeiros a utilizar o bacalhau na sua alimentação. "Vizinhos" deste peixe, pescavam o bacalhau e conservavam-no, deixando-o secar ao relento. Quando pesasse cinco vezes menos e se apresenta-se bem rijo, o peixe estava pronto para suportar as longas viagens que os Vikins faziam pelos mares.


Foi através deste povo do norte da Europa que os portugueses contactaram com o bacalhau. No Século XII e XIII, os Vikings desciam até Portugal para comprarem Sal e deixavam como moeda de troca o bacalhau: A pouco e pouco este alimento foi conquistado os portugueses. Ao contrário dos Vikings, que apenas secavam o bacalhau, os portugueses começaram, à segurança dos bascos, a salgá-lo. Numa época em que a preservação era um problema, a salga do bacalhau tornava-o num alimento resistente ao tempo e também muito apetecível, uma vez que o sal realsava o seu sabor. Capaz de resistir à passagem do tempo sem perder qualidades, nutritivo, barato e de fácil digestão, o bacalhau era levado pelos navegadores nas suas longas viagens e consumido aos pedaços mesmo sem ser cozinhado. Já em território Nacional, o peixe integraria progressivamente a alimentação dos menos abonados, conquistando, mais tarde, o paladar das elites. Numa altura em qua a Igreja Católica impunha cerca de 150 dias de jejum e abstinência por ano, o bacalhau tornou-se uma alternativapara quem não podia comer carne, sobretudo nas regiões do interior do país onde o peixe fresco do litoral não chegava. A este aspecto se deve ainda hoje a tradição de se comer o simples bacalhau com todos na noite de consoada.
Fonte: Jornal Público (Liliana Duarte)
Fotos: (Tiradas da Net)